Opinião - Mais uma volta na espiral do ódio: as explosões de pagers no Líbano

João Alfredo Lopes Nyegray*


O Líbano tem sido palco de tensões entre Israel e o Hezbollah por décadas. O Hezbollah, um grupo político e paramilitar xiita, surgiu durante a Guerra Civil Libanesa e ganhou destaque após a invasão israelense ao Líbano em 1982. A organização é considerada por muitos países um grupo terrorista, embora também tenha representação política em seu país de origem.

No decorrer da última semana, em mais uma volta na crescente espiral de ódio que presenciamos no Oriente Médio, cerca de 3 mil pessoas ficaram feridas após explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano. Inicialmente, na terça-feira, dia 17, ao menos 20 pessoas morreram, segundo o Ministério da Saúde local.

Este evento, descrito como altamente sofisticado, não apenas evidencia a evolução das táticas de guerra cibernética e de inteligência, mas também intensifica as tensões geopolíticas na região. No cenário contemporâneo de conflitos assimétricos, a comunicação segura é vital para grupos não estatais, como o Hezbollah. Conforme destacado por Arquilla e Ronfeldt (1996) em "The Advent of Netwar", a capacidade de se comunicar de forma eficiente e segura é um fator crítico para a organização e operacionalidade de grupos insurgentes. O Hezbollah, reconhecendo a vulnerabilidade dos telefones celulares à interceptação e rastreamento, adotou pagers e walkie-talkies como meios alternativos de comunicação, presumindo que esses dispositivos de baixa tecnologia seriam menos suscetíveis à vigilância israelense.

O grupo libanês havia encomendado 5.000 pagers da empresa taiwanesa Gold Apollo, recebidos no início do ano. No entanto, surgiram dúvidas sobre a origem real desses dispositivos e as empresas envolvidas em sua fabricação. A Gold Apollo negou qualquer envolvimento direto, afirmando que os dispositivos foram, na verdade, fabricados por uma empresa húngara chamada BAC Consulting, que possui licença para utilizar sua marca. Essa declaração transferiu o foco das investigações para a Europa Oriental, acrescentando uma camada de complexidade à situação, especialmente devido à falta de transparência sobre a empresa húngara.

O endereço da BAC Consulting corresponde a um edifício residencial em um subúrbio de Budapeste, onde não há presença física evidente da empresa, conforme relatos da agência de notícias Reuters. A CEO da BAC Consulting, Cristiana Barsony–Arcidiacono, não respondeu aos contatos da imprensa, aumentando as suspeitas sobre a legitimidade e a transparência das atividades da empresa. A ausência de uma presença física ou operacional sólida levanta dúvidas sobre se a BAC Consulting é realmente funcional ou possivelmente uma entidade de fachada — um fenômeno comum em operações clandestinas internacionais.

As explosões dos pagers, atribuídas pelo Hezbollah ao Mossad, ilustram uma aplicação avançada de técnicas de sabotagem e guerra cibernética. De acordo com relatos, explosivos foram incorporados nos dispositivos e detonados remotamente via mensagens de texto alfanuméricas. Esse método reflete uma integração sofisticada de inteligência técnica e operacional, alinhada com as capacidades conhecidas dos serviços de inteligência israelenses em operações clandestinas (Byman, 2011).

O incidente representa uma humilhação operacional para o grupo, potencialmente minando a confiança interna e a moral dos combatentes. Como observado por Kaldor (2012) em "New and Old Wars", a percepção de invulnerabilidade tecnológica é crucial para a coesão de grupos armados não estatais.

A atribuição do ataque a Israel pelo Hezbollah pode servir como um casus belli para retaliações. A teoria da escalada gradual de conflitos sugere que tais ações podem gerar ciclos de vingança, intensificando as hostilidades. Foi exatamente o que aconteceu: após as explosões dos pagers e dos walkie-talkies, o Hezbollah disparou mais de 150 foguetes em direção a Israel. Israel, por sua vez, atacou o centro de Beirute na sexta-feira (20). 

O ataque tecnológico da última semana certamente desencadeará novas reações nessa já instável região do mundo. 

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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