Berkeley foi um pensador irlandês que viveu entre os séculos XVII e XVIII. Ele afirmou que tudo o que existe, existe por causa da nossa percepção. E também que não há uma diferença entre ideia e percepção. Ou melhor: as ideias são o resultado das percepções. E quando percebo algo, não pode haver dúvida quanto à sua existência.
Ou seja: para esse importante pensador, que influenciou Kant, Schopenhauer e Einstein, não há necessidade de assumirmos o mundo exterior para afirmar que o conhecemos. Conhecemos porque está na nossa mente, e nenhuma substância material existe fora da percepção que temos dela.
O principal objetivo desse imaterialismo era contornar uma das mais poderosas ferramentas de regulação da nossa atividade consciente, que é o ceticismo. Os céticos, desde o século III a. C., desafia-nos a explicar nossas afirmações sobre as coisas, fazendo o pensamento refinar-se em movimentos de justificação que foram fundamentais para o desenvolvimento das Ciências, entendendo Ciências como essa compreensão do mundo fora de nós e de como ele opera. Ora, se não há um mundo material a ser afirmado, mas apenas a minha percepção que povoa minha mente de ideias, logo, não há mais do que se duvidar ou questionar.
Esse monismo de Berkeley - ao contrário do dualismo cartesiano, por exemplo, que divide as coisas em matéria e consciência - pode ser expresso da seguinte maneira: eu percebo e por isso as coisas existem. Se mudam minhas percepções sobre algo, esse algo passa a ter a conformação dada por minha mudança de percepção. O conteúdo de algo nunca pode ser indeterminado, e as ideias abstratas são impossíveis. “Ser é ser percebido”, afirma ele, peremptoriamente.
É lógico que não podemos derivar do imaterialismo de Berkeley uma relação necessária com aquela madrugada de 8 de setembro, em Brasília, quando caminhoneiros se abraçaram em prantos, com a notícia de que o presidente havia decretado o Estado de Sítio, isto é, dado o golpe, como prometido a eles. Um desses senhores, com uma mão segurando o celular para registrar o momento, e a outra limpando lágrimas abundantes, buscava descrever o que percebia: “A nossa luta, a nossa garra, valeu a pena. Fiquei sabendo agora que o nosso presidente resolveu agir e, a partir de agora, o Brasil está em Estado de Sítio”. E mais lágrimas. Um momento comovente.
Por outro lado, como afirmar que esse momento não existiu da maneira como foi comemorado por aquele caminhoneiro? Como não acreditar naquelas palavras, naquela emoção, resultado do que a rede de WhatsApp informou a ele? A mesma rede que construiu as convicções nas quais ele acredita, de que o presidente é o verdadeiro democrata, honesto e capaz de conduzir o Brasil para algum lugar que deve ser muito bom, pois uniu aqueles senhores todos, tão alegres e tão convictos.
É bem mais fácil - óbvio até - dizer que essa realidade paralela não passou de um delírio, uma psicose coletiva, fruto da ignorância e da manipulação dos desejos dessa gente ingente. Pode ser. Mas também pode ser que Berkeley esteja certo e que a realidade não exista. Só existem os caminhoneiros felizes com o Estado de Sítio decretado pelo presidente naquela madrugada inesquecível.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
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@profdanielmedeiros
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